quarta-feira, 27 de junho de 2007

TV digital: maquiagem nas políticas públicas




Tiago Souza de Figueiredo1: FACED – UFBA

figueiredotiago@yahoo.com.br



RESUMO



O presente artigo analisa as possibilidades que a TV digital brasileira representaria, como pensada originalmente em uma política pública, e seu elemento estruturante de novas práticas sociais, educacionais e política da população brasileira, principalmente para os mais pobres, demonstrando como no decorrer do processo de implementação o poder dos grupos hegemônicos descaracterizaram a proposta inicial e fecharam suas potencialidades.


PALAVRAS CHAVE: Interatividade, TV digital, Educação, Inclusão digital



INTRODUÇÃO



O processo de implementação da TV digital no Brasil mobilizou vários setores da sociedade: o comércio, a indústria, a academia, as redes televisivas e a população em geral, nas discussões acerca do melhor padrão tecnológico a ser adotado.

Nenhuma outra mídia, durante seu processo de digitalização, atraiu tantos olhares de setores tão distintos. Dentro dos espaços acadêmicos comunicólogos, educadores, tecnólogos, economistas, cientistas políticos, filósofos e antropólogos debruçaram-se no estudo dos padrões existentes no mundo, produzindo uma série de análises quanto a melhor utilização dos novos recursos midiáticos e seus possíveis impactos na sociedade.




SISTEMA BRASILEIRO DE TELEVISÃO DIGITAL - SBTVD




A escolha entre o padrão americano, europeu e japonês ou a criação de um padrão brasileiro não estava pautada simplesmente no melhor recurso técnico, mas aliado a isso existiam interesses políticos (acordos bilaterais), econômicos, sociais e de desenvolvimento técnico-científico. O ponto central das discussões estava na possibilidade da convergência das multimídias, para a produção de uma TV digital interativa. Segundo Ferreira e Pretto, em 2003, com as mudanças no governo brasileiro, retomou-se os debates sobre a implementação da TV digital nacional, livrando o Brasil da dependência tecnológica e do pagamento de royalties. O foco estava na adoção de uma política pública. O Decreto nº 4.901 de 26/11/2003, que instituía o modelo de TV digital brasileiro tinha como objetivos: promover a inclusão social, a diversidade cultural e a democratização da informação bem como propiciar a criação de rede universal de educação à distância.

O padrão de TV digital brasileira tinha que estar pautado principalmente na possibilidade da inclusão digital, como forma de disseminar o conhecimento entre a sociedade a partir de redes telemáticas, pelas quais navegam informações e constrói-se grupos de produções colaborativa. O desenvolvimento das tecnologias da informação e o processo de globalização pelo qual passamos vêm transformado a cultura da sociedade contemporânea. Cada vez mais, a informação em tempo real e a comunicação em rede tornam-se essencial. No caso da realidade brasileira, apenas 13,7%2 da população tem acesso às redes telemáticas planetária. Esse distanciamento da população mais pobre, privando-os do acesso às inovações tecnológicas, vem empurrando-os para fora da cultura contemporânea, excluindo-os do mundo das relações digitais. Faz-se necessário, nesse sentido, uma ação política de inclusão digital desses indivíduos.



A inclusão digital é principalmente uma política de formação e capacitação da sociedade para utilizar as tecnologias da informação, para aumentar seus conhecimentos sobre a realidade, para comunicar-se com a velocidade informacional média do nosso tempo, para usá-las em benefício próprio. (Silveira, 2005).



Tomando como base o conceito de inclusão digital defendido por Silveira, observamos que os benefícios da adoção de um sistema de TV digital interativa perpassaria desde o desenvolvimento técnico-científico, até o desenvolvimento sócio-educativo.

Dessa forma, cada TV se transformaria em um ponto da rede, de transmissão e recepção de conteúdos, pelo qual se poderia elevar o nível de articulação e produção da população, o que é denominado por Lévy como inteligência coletiva.




Inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências.

Cada integrante (ou nó) contribui para o enriquecimento de todo o grupo, o que potencializa processos horizontais, possibilita a construção de lugares e territórios onde aprende-se, coletivamente, a conviver com outras culturas.(Lévy, 1998)



Essa relação se daria em espaços virtuais, retomando o sentido de coletividade, onde os integrantes de cada grupo se relacionariam por afinidades, interesses comuns, e nessa relação simbiótica se elevaria o nível da inteligência coletiva, pois todos trariam a sua contribuição. Inteligência coletiva é aqui entendida como:



uma forma de resgate do sentido do coletivo e das comunidades, das redes de informação e aprendizagem beneficiadas e facilitadas pela tecnologia.” (Waisman, 2006)








POR QUE CRIAR UM SISTEMA DE TV DIGITAL INTERATIVA




A implementação de um sistema brasileiro de TV digital interativa, representaria o maior projeto de inclusão digital no Brasil, pois usaria como veículo (de transmissão) a sua mídia mais popular, como demonstra tabela abaixo.


Tabela I3

Penetração da mídia

Meio

Usufruiu recentemente

... pelo menos uma vez nos últimos:

Jornal

52%

7 dias


Rádio

57%

1 dia

88%

7 dias


Televisão

81%

1 dia

98%

7 dias

Cinema

13%

1 mê

Fonte: Grupo de mídia






A televisão brasileira é o principal meio de comunicação pelo qual a população brasileira adquire informações, e segundo o (IBGE, 2003), mais de 90%, dos domicílios brasileiros possuem pelo menos uma televisão, demonstrando o poder de penetração dessa mídia. Entretanto, hoje, os telespectadores são apenas sujeitos passivos na relação midiática, recebem conteúdos prontos de poucos pontos transmissores (grades emissoras), que controlam o imaginário coletivo da sociedade brasileira.

A implementação da TV digital interativa possibilitaria não somente uma melhoria da qualidade de imagem e som, como quer colocar os grupos hegemônicos, a fim, de manter sua posição como controladores ideológicos, mas também poderia ser a convergência das maiores invenções midiáticas dos nossos tempos – a televisão e a internet.

O uso da TV digital no Brasil possibilitaria uma interação, ou seja, uma ação mútua do transmissor com o receptor e vice versa. Essa horizontalidade possibilitaria o uso da televisão como elemento estruturante de novas práticas pedagógicas, políticas e sociais, melhorando a qualidade de seu conteúdo e possibilitando voz e cidadania, de fato, aos sujeitos sociais.



Os novos recursos tecnológicos e os meios audiovisuais irão transformar o mestre no estimulador e assessor do estudante, cuja atividade de aprendizagem deve guiar, orientando-o em meio às dificuldades da aquisição das estruturas e modos de pensar fundamentais da cultura contemporânea de base científica em seus aspectos físicos e humanos. Mais do que o conteúdo do conhecimento em permanente expansão, cabe-lhe, com efeito, ensinar ao jovem aprendiz a aprender os métodos de pensar das ciências físico-matemáticas, biológicas e sociais, a fim de habilitá-lo a fazer de toda a sua vida uma vida de instrução e estudos (TEIXEIRA, 1963)



Para os processos educativos tal recurso poderia eliminar distâncias, redefinir os tempos da aprendizagem, constituir espaços de produção colaborativa, aproximar a escola da família, possibilitando uma nova ação pedagógica, pautada na interatividade. Segundo Marcos Silva4:



Interatividade não é apenas um novo modismo. O termo significa a comunicação que se faz entre emissão e recepção entendida como co-criação. Exprime a disponibilização consciente de um mais comunicacional presente na mensagem que desbanca a lógica unívoca da transmissão de A para B. Em síntese, significa superação do constrangimento da recepção passiva. Convido o professor a tomar a interatividade e com ela modificar seus métodos de ensinar baseados na memorização e transmissão. Na sala de aula interativa a aprendizagem se faz com a dialógica que associa emissão e recepção como pólos antagônicos e complementares na co-criação da comunicação e da aprendizagem.



Mediados pelo uso da TV digital interativa esses processos educativos ganhariam novos recortes, tirando da escola a responsabilidade de ser o único educador e trazendo para seio da sociedade a função educativa. Tudo isso se daria primeiramente pela acessibilidade que tem a televisão no Brasil, cobrindo grandes espaços territoriais e sociais, e, segundo, devido aos seus recursos interativos serem mais simples e fáceis de usar, alcançando uma grande parcela da população e a aproximando da cultura digital – a cultura de seu tempo.





INFLUÊNCIA DAS REDES HEGEMÔNICAS



É evidente que todo processo educativo comprometido com o desenvolvimento do indivíduo pressupõe autonomia e liberdade de pensamento/ação dos cidadãos. Entretanto, as grandes corporações e conglomerados econômicos buscam manter sua hegemonia de mercado a partir da alienação da população, mantendo seus “consumidores”. A TV digital interativa, nesse sentido, representaria um risco a hegemonia desses grupos que exploram a "ignorância do povo". A construção de redes de troca de informações e construções colaborativas elevaria o nível da inteligência coletiva, pondo em "xeque" a posição das emissora e seu discurso unilateral.

Para sustentar sua hegemonia os grandes grupos televisivos mantêm uma relação direta com os representantes da sociedade: parlamentares, ministros e governadores de Estado, que por definição deveria, representar o interesse do povo, mas priorizam a manutenção do poder dessas corporações, as quais, em contrapartida, sustentam seus discursos falaciosos e pseudo-comprometidos. Prova maior disso foi percebida na reviravolta que ocorreu durante a implementação da TV digital brasileira.
Com apresentam Ferreira e Pretto (2006), o jogo político ocorrido em 2005, com o objetivo de garantir a governabilidade, altera a organização ministerial. Assume um novo ministro das Comunicações: senador Hélio Costa, ex-apresentador da Rede Globo de Televisão e também proprietário de emissoras de rádios comerciais - representante do discurso das grandes emissoras de televisão. Logo em seguida, inicia-se um processo de pressões pela rápida adoção de um padrão tecnológico alterando o foco dos debates acerca do SBTVD, privilegiando agora a melhoria da qualidade de som, imagem e a mobilidade durante as transmissões.

Em 29 de junho de 2006, foi assinado o Decreto nº 5.820, que adota como base do SBTVD-T (acrescentando o T de Terrestre na nomenclatura) o padrão tecnológico japonês, desconsiderando todas as produções das instituições científicas nacionais e muitos dos objetivos previstos no decreto anterior (nº 4.901 de 26/11/2003), pondo de lado as possibilidades da interatividade como elemento estruturante de novas práticas sociais, educacionais e culturais, permanecendo a televisão como apenas um instrumento de entretenimento (alienado) e informação (unilateral), reprodutora de um discurso pautado nos interesses das intituições hegemônicas.

Com essa decisão, o governo brasileiro não apenas perdeu a possibilidade de implementar o maior programa de inclusão digital já existente, como também cerceou do povo um instrumento de manifestação plena da sua cidadania e condenou o país a uma dependência tecnológica e ao custoso pagamento de royalties ao Japão. Isso demonstra como a estrutura política do país funciona. Querem desenvolvimento econômico e tecnológico, mas são incapazes de romper com a velha política de favorecimento aos interesses dos grupos hegemônicos e demonstra como o poder público brasileiro é controlado e/ou influenciado pelas redes mídiaticas do país.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




FERREIRA, Simone de Lucena e PRETTO, Nelson De Luca. Possibilidades Interativas do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre. Disponível em: www.universidadenova.ufba.br/twiki/pub/GEC/TextoTVD/pretto_lucena_tvdigital06.pdf. Acessado em:14/06/2007.




LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.



SILVEIRA, Sergio Amadeu da. Sobre Inclusão Digital: Uma Entrevista, 2005 In: Blog do Sergio Amadeu. Disponível em: http://samadeu.blogspot.com/search?q=inclusao+digital. Acesso em 18/06/2007.


TEIXEIRA, Anísio. Mestres de amanhã. Disponível na Biblioteca Virtual Anísio Teixeira

http://www.prossiga.br/anisioteixeira/eng/artigos/mestres.html. Texto foi publicado na Revista Brasileira de

Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 40, n. 92, out./dez., 1963. p. 10-19. Acessado em 20/06/2007.


WAISMAN, Thais. TV DIGITAL INTERATIVA NA EDUCAÇÃO: AFINAL, INTERATIVIDADE PARA QUÊ? . Disponível em:

http://216.239.51.104/search?q=cache:4jXpuPitau0J:www.abed.org.br/congresso2002/trabalhos/texto25.htm+%E2%80%9C%C3%89+uma+forma+de+resgate+do+sentido+do+coletivo+e+das+comunidades,+das+redes+de+informa%C3%A7%C3%A3o+e+aprendizagem+beneficiadas+e+facilitadas+pela+tecnologia.%E2%80%9D&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br acessado: 16/06/2007.


1 Graduando em pedagogia pela Faculdade de Educação da UFBA.

2 Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2005,


3 Tabela retirada do material apresentado no Seminário Nacional de TV digital, CONFEA/CREA-MG, em Belo Horizonte-MG em 25/11/2005. Disponível em: http://www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/acontece_anatel/palestras/comunicacao_massa/convergencia_midia.pdf acessado em: 16/06/2007.

Um comentário:

Bonilla disse...

Olá Tiago,
ficou bom o artigo, mas continue estudando sobre o tema para futuramente poder complexificar e argumentar mais ainda sobre esse processo de implantação da TV digital no Brasil.
Boas férias!!!